Por: Mara Sampaio e Sandra Berenstein Tudisco

“O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros, aprendi isso, prestando atenção.” (Rubem Alves, 1999).

A queixa institucional escolar

A queixa institucional representa um pedido de ajuda. Um sintoma de uma disfunção que deve ser compreendido por diferentes perspectivas. Para identificar a demanda que supostamente não está na queixa, é preciso de uma escuta de alguém externo ao ambiente e ao grupo. Daquele que ocupa um lugar distanciado do cotidiano escolar.

Isto é importante para evitar que uma intervenção seja ineficaz pela falta de entendimento mais profundo do pedido de ajuda. Muitas vezes a queixa institucional escolar é direcionada para determinado seguimento; é comum escolher “bodes expiatórios”, que são identificados como únicos depositários das supostas mazelas institucionais. Também bastante frequente encontrar projetos desenhados apressadamente respondendo à queixa institucional. Esta é a primeira razão do fracasso. Se não encontrar a fonte do problema, o sistema escolar permanece adoecido, cristalizado e sem vitalidade.

A oportunidade de sermos o outro, os depositários dessas queixas, é uma condição de distanciamento suficiente para sustentar a escuta, o diálogo com os diferentes atores do contexto escolar. A compreensão das questões mais profundas, não estão localizadas na queixa e sim na leitura que se faz sobre a queixa.

O ponto de partida está na relação de confiança estabelecida entre a consultoria e os gestores da escola. O proposito inicial é criar um campo facilitador para redimensionar a queixa e planejar oportunidades de enfrentamento. Uma forma de aproximar a cultura escolar com os objetivos desejados.

A Cultura Escolar pós pandemia

Durante muitos anos, o projeto pedagógico parece ter sido suficiente para direcionar as práticas estruturantes no ambiente escolar. De forma conceitual, continua sendo considerado a razão de existência de uma escola.

Se por um lado o projeto sustenta um alinhamento técnico entre os educadores, por outro tem demonstrado insuficiente para o momento atual de pandemia e pós pandemia em que o setor demanda um alinhamento mais estratégico para lidar com as galopantes transformações socioeconômicas-financeiras do País.

Com o crescimento acelerado do setor, somadas as atuais transformações sociais, o redesenho da cultura escolar tem sido um pilar fundamental para a competitividade. Um projeto de redefinição cultural não pode ser tratado como uma questão de imagem, não basta contratar uma agência de publicidade para desenhar seu propósito e valores. É necessário revisitar a biografia da instituição e buscar um alinhamento interno para planejar como chegar no lugar desejado, assim como os comportamentos esperados a partir dos valores da escola. É preciso junto com sua equipe de gestores encontrar e lapidar o seu diferencial competitivo, escolher os elementos institucionais que garantirão o envolvimento e coesão do grupo durante a jornada de transformação cultural.

Há um movimento atual de busca pela autenticidade das organizações empresariais e escolares. Não basta criar propostas diferenciadas e projetos que não dialogam com o método proposto e com o projeto político pedagógico de sua organização. Nesse sentido é fundamental identificar e transmitir a essência, as raízes nas quais se sustentam a escola, para aproximar todos seus diversos públicos; os educadores precisam se identificar com a proposta da escola assim como as famílias. O alinhamento de forma mais estratégica entre os objetivos a longo prazo e o projeto pedagógico e sustentabilidade institucional devem estar articulados e referenciados nos valores culturais.

De forma análoga, a cultura pode ser comparada a um tecido constituído por fios invisíveis, porém capaz de sustentar toda a organização. Tem origem na identidade e sonho dos fundadores, mas se consolida com a visão compartilhada do conjunto de valores, crenças, percepções, rituais, artifícios e hábitos reconhecidos e praticados por todos na organização.

A falta de alinhamento interno e a rotatividade dos alunos são indicadores de que o clima organizacional não está bem. São fatores que materializam a qualidade das relações, baixa satisfação com o ambiente e sinalizam a necessidade de fortalecimento da cultura institucional. O desafio atual das escolas que foram afetadas pela pandemia está no envolvimento dos seus públicos com o propósito. O engajamento dos seus educadores com o planejamento estratégico.

A cultura organizacional é uma potência transformadora para evolução da escola, responsável pelo alinhamento de comportamentos dos líderes e atitudes entre todos os envolvidos (funcionários, professores, parceiros e fornecedores) para sucesso do sistema escolar. Uma cultura forte e clara produz um sistema escolar com vitalidade pulsante, capaz de inspirar todos os participantes, que se identificam com a filosofia da empresa, potencializando o que há de mais importante em uma organização: o capital humano.

Estratégias de enfrentamento no redesenho da cultura escolar

As etapas que envolvem o processo de redesenho da cultura é pautada em estratégias de diálogos com a gestão, coordenação, professores. Outras vezes, famílias também são envolvidas com rodas de conversas. Para criar esse campo de abertura e de trocas, oferecemos uma metodologia de enfrentamento a partir do dispositivo grupal.

O dispositivo grupal nas escolas é proposto como um espaço para poder refletir juntos, co-construir saberes em tres níveis : (1) cada um sobre si mesmo, sobre as crenças, os rituais, os comportamentos; (2) sobre o vínculo com o outro (colega, aluno, pais, direção da escola e os diversos colaboradores) e sobre (3) os valores, o ambiente escolar, e projetos inovadores no plano educacional. Nesse sentido, envolver os integrantes de uma escola no programa de cultura escolar, rompe com o paradigma de soluções fragmentadas pelas práticas individualizantes e fortalece uma rede potente com estratégias de tranformação coletiva.

É uma estratégia que oferece a oportunidade de acessar o conhecimento coletivo que surge com os atos espontâneos de compartilhamentos de percepções. O encontro com o(s) outro(s) possibilita a abertura de novos canais discursivos. Nessa coreografia única que se forma no entrelaçamento dos dizeres, entredizeres, silêncios, olhares, manifestações verbais e não-verbais, surgem como narrativas inéditas, que reconhecemos como próprias com o dizer do outro.

O trabalho acontece de forma acolhedora, dinâmica e participativa, e também objetiva e rápida na busca do objetivo contratado. Inicalmente com aproximação e aprofundamento entre fundadores e ou gestores. A partir do elementos produzidos pela de experiências vividas pelos participantes, identificamos o funcionamento escolar. A partir de uma perspectiva crítica capaz de circular as informações que se consegue problematizar esse funcionamento.

Vinheta 1: a construção de um proposito e o alinhamento da equipe de coordenação

Durante a pandemia com a perda das rotinas estabelecidas e as ameaças e incertezas que o momento trazia, a direção assumiu um compromisso de fortalecer a escola, criando espaço de acolhimento e apoio as alunos, educadores, assim como a equipe de coordenação.

Um processo de oito encontros de forma remota, com cada participante no espaço da sua propria casa. O encontro acontecia na sala virtual do zoom semanalmente, com data e hora marcada.

A direção apostou na potencia das pessoas como fonte de transformação e resiliência a partir uma boa rede vincular, cuja a finalidade era o fortalecimiento da cultura da escola.

A intervenção grupal neste trabalho prática esteve ancorada no modelo humanista focado na ação e participação ativa dos integrantes como atores e pesquisadores do momento atual e criadores do futuro desejado.

Em todo início de grupo foram oferecidos jogos, atividades e muitas ferramentas lúdicas para abrir um campo de relaxamento pensados a partir dos objetivos de cada encontro. Durante o processo de investigação das temáticas, as questões deixavam de ser individuais e passaram a ser consideradas coletivas. O engajamento dos integrantes é mais forte nesta abordagem de trabalho grupal.

O ambiente lúdico foi restaurador para o momento vivido de isolamento social, de medo ante as incertezas e ao mesmo tempo uma fonte de acesso as questões mais profundas da cultura desejada. O grupo construiu o proposito, as macroestratégias, assim como os valores e indicadores de atitudes esperadas. Esse encontro criativo pode trazer esperança e desejo de retomar a vida perdida a partir de um novo lugar.

Vinheta 2: planejamento estratégico de retomada e integração da equipe de coordenação

Durante o processo de retomada, a gestora dessa escola se debruçou em um processo contínuo de planejamento e replanejamento. No início os nove coordenadores dessa escola, se encontravam bastante fragilizados com a perda de referências para atuar causada pela pandemia.

Em um primeiro momento, essa pequena fresta do encontro coletivo pela plataforma zoom de forma online, proporcionou um espaço de trocas e compartilhamento para que as emoções pudessem ser expostas reconhecidas e ressignificadas. Em seguida, precisavam suportar o momento de reestruturação para receber os alunos em tempos de pandemia.

Acompanhamos esse longo período pandêmico e pudemos recuperar os sonhos adormecidos da cultura escolar. Foram instigados a criar alternativas criativas para reorganizar o cotidiano na situação vivida e ao mesmo tempo, construir conjuntamente uma visão compartilhada de futuro, o propósito e repensar os valores, incluindo outros que coubessem nos tempos atuais e que seriam direcionamentos para todos os envolvidos.

Vinheta 3: redesenho da cultura em tempos pandêmicos

A partir de um trabalho de escuta, foi identificado pelo grupo de gestores, que pela prática e interação profissional a cultura da escola era paternalista, e que confrontava com o projeto pedagógico que busca a emancipação e o desenvolvimento do ser integral dos alunos.

Para que pudéssemos atender os diferentes seguimentos, propusemos um trabalho de escuta com quatro encontros semanais para acompanhar cada grupo profissional. A intensão era lapidar as causas e encontrar saídas eficazes e autênticas para a demanda.

Essa forma de desenvolver o projeto de transformação cultural, pressupõe um processo de reflexão coletiva. Nesse sentido, os sujeitos são estimulados a pensar e a se posicionar com suas próprias questões e encontrar conexão com o pensamento coletivo.

Ao se sentirem instigados e comprometidos com o problema, foram convidados a propor em soluções para a mudança dos comportamentos desejados. No final de quatro encontros os coordenadores puderam criar coletivamente uma agenda de implementação de novos rituais, e comportamentos esperados que assegurassem os valores desejados.

Com as transformações impostas constantemente pela vida como está dada na nossa forma de sociedade sempre e a todo momento, surgem novas necessidades de mudanças no contexto escolar. A quebras de rotinas tradicionais no âmbito educacional e as novas formas de se relacionar e interagir socialmente que a pandemia nos impôs, trouxeram desafios e novos modos de pensar, sentir e fazer educação provocando novas expectativas de futuro. O trabalho proposto exige essa tessitura. É um fazer de forma participativa e humana. Ao tecer redes, atuamos em diferentes instancias e dimensões, tanto na construção de relações entre os integrantes, quanto no redesenho de uma meta coletiva. O planejamento estratégico deixa de ser exclusivo da gestão e todos os envolvidos se aventuram na arte de redesenhar o caminho.

Sandra Tudisco
Coach, Psicodramatista Didata, consultora especialista em processos de mudança e gestão de conflitos organizacionais, apaixonada pela arte da liderança e da reconstrução de histórias de vida.
sandra@mnaroda.com.br