Por: Marcela Lempé & Sandra Tudisco

Vemos o coaching como um processo de aprendizagem que desperta consciência e tem como objetivo recriar novas possibilidades de atuação no mundo, na busca por mais espontaneidade e satisfação nos papéis que o coachee exerce na vida.

O psicodrama é um método que aprofunda o conhecimento da alma humana, trazendo luz ao protagonismo por meio da ação e reflexão. A base do psicodrama está no resgate da espontaneidade, que é a capacidade criadora do indivíduo de dar novas respostas para as situações-problema enfrentadas no dia a dia, ampliando seu repertório de atuação no mundo e assim caminhar em direção aos objetivos desejados.

A visão filosófica de homem-mundo e a metodologia proposta pelo criador do psicodrama, Jacob Levy Moreno, tem muita convergência com a proposta de coaching.

Moreno já dizia que todos nós somos centelhas divinas e nossa existência é um constante vir a ser. No coaching, vemos o coachee como um ser em constante desenvolvimento, com muitos potencias a serem descobertos para que possa deixar partir e morrer o que não faz mais sentido e deixar nascer o novo que quer emergir, ampliando, assim, a sua consciência e a sua ação no mundo.

Com luz na proposta do coaching em grupo, o Psicodrama tem outra grande contribuição filosófica, que é o conceito de encontro, que é ajudar os indivíduos a terem um encontro verdadeiro e profundo com si mesmo e com o outro.

Ao falar de encontro, Moreno já trazia o entendimento de compaixão e empatia quando falava do colocar-se no lugar do outro para que pudesse enxergar o mundo com os olhos do outro, ampliando seu lugar de observador, e dar uma nova resposta para uma situação de conflito.

Compartilharemos 2 práticas de processos de coaching em grupo, um realizado com uma equipe de liderança e outro com uma equipe de sócios, nos quais utilizamos os recursos do psicodrama. O grande foco desses dois processos foi trabalhar o desenvolvimento da identidade, colaborando para o empoderamento do papel profissional, e o desenvolvimento das relações, contribuindo para o bem-estar pessoal e o clima organizacional.

Vemos que as relações de trabalho ocupam um lugar de existência humana e atravessam os muros das empresas, permanecendo vivas em outros contextos sociais.

A consciência das relações destrutivas e a necessidade de retomar a identidade, de quem somos e quem queremos ser, foram os primeiros passos para iniciar os processos de coaching que iremos relatar.

Prática 1: Coaching com Sócios – recriando a identidade organizacional e os papéis na sociedade

Sócios empreendedores de sucesso ganham um novo posicionamento no mercado e expandem a marca para todo Brasil, se deparando com novos desafios. Com um sentimento de desconexão, passam a atuar com interesses divergentes. Para evitar o conflito, viviam inconscientemente em um clima de harmonia artificial. O pedido de coaching chega através de um dos sócios até nós por conta do sentimento de insatisfação na relação de sociedade.

Iniciamos o processo com foco na ressignificação da demanda para que todos pudessem decidir e compactuar com o projeto de coaching, chegando juntos a um objetivo comum, que se desdobrou para o redesenho da identidade organizacional e fortalecimento da relação de sociedade.

A meta era a construção da nova visão de futuro da empresa para redirecionar os talentos dos sócios e os recursos da empresa. E para alcançar isso, ficou perceptível a necessidade de olhar para a qualidade da relação desses sócios. Trouxemos perguntas provocativas que levaram a uma reflexão de profundidade dos comportamentos conflitantes. Foi o primeiro passo para criar consciência, ainda que de forma racional, da percepção dos boicotes. Situação ainda insuficiente para trazer as mudanças desejadas nas relações.

Foi durante alguns encontros, com as cenas dramáticas, instrumento chave do psicodrama, que possibilitaram que os participantes pudessem viver o encontro proposto por Moreno e criar novas possibilidades de atuação. Foi em um campo relaxado, criando papéis imaginários e usando objetos intermediários, podendo ultrapassar as barreiras da mente racional, que os sócios sentiram-se protegidos para comunicar livremente seus pensamentos e sentimentos, possibilitando o que Moreno chama de catarse.

Os sócios se apropriaram da identidade atual deles como empresa e das fragilidades da relação, como a falta de confiança e dificuldade com as relações de poder.

Os sócios experimentaram, pela primeira vez, a empatia com a técnica de inversão de papéis. Se conectaram com o sentir e conseguiram olhar e escutar com os olhos do outro, possibilitando o que chamamos de catarse de integração: ao serem afetados pelo ponto de vista do outro, ampliaram as crenças, ficaram mais atentos com as armadilhas das disputas silenciosas, gerando novos acordos e um direcionamento único para a empresa.

Prática 2: Coaching de equipe de liderança

Lideranças de negócios de impacto se queixavam de um clima organizacional tenso e conflituoso, com relações de competitividade destrutiva, que impediam a celebração das conquistas. Propomos um processo que combinasse encontros individuais e encontros em grupo.

Iniciamos o processo de coaching com 04 encontros individuais focado no autoconhecimento, que possibilitaram aos participantes ampliarem a consciência sobre seu perfil comportamental, seu papel no grupo e os desafios da relação com os outros membros.

Após os encontros individuais, os líderes chegaram para as 04 sessões de coaching em grupo com mais consciência, identificando a importância e as necessidades dos diferentes perfis comportamentais e mais abertos para se exporem.

A concepção dos encontros foi elaborada a partir das cinco etapas propostas por Moreno: o aquecimento inespecífico; o aquecimento específico; a ação dramática; o compartilhar e; o elaborar.

O aquecimento tem o papel de criar o campo de confiança e abertura para o desenvolvimento. Começamos sempre com um check in de como estão chegando, expectativas e intenções, assim como uma atividade que já de início a um processo de aprofundamento.

Durante as dramatizações utilizamos algumas ferramentas conhecidas no psicodrama, como o solilóquio, a interpolação de resistência, duplo e espelho. São técnicas que contribuem para o indivíduo se dar conta do que está se passando internamente e de como está sua atuação no mundo.

Em um dos encontros, os participantes puderam escolher papéis simbólicos que representavam suas características pessoais. Neste caso específico, os papéis escolhidos foram os elementos da natureza.

Diante dos papéis simbólicos, puderam construir uma cena que mostrasse a interação dos elementos, tirando de trás da cortina os bastidores dos conflitos, da inter-relação dos papéis e dos sentimentos de cada um ali envolvido. Os diálogos dramáticos entre os elementos da natureza possibilitaram mudar a cena no “como se”. Novamente saindo do racional, navegando no simbólico, foi possível falar das necessidades e desconfortos.

Dentro ainda da ação simbólica dramática, formou-se uma nova imagem de grupo desejada por todos, na qual cada um ocupava o seu lugar de conforto e de expressão das suas potencialidades, dando espaço para novos pedidos que fizeram total sentido para as situações reais.

Como finalização do processo de coaching, os participantes criaram um novo direcionamento construindo uma meta coletiva, que era sair de um estado atual de relações de conflitos para a construção de vínculos harmoniosos.

Durante os intervalos mensais entre os encontros, as equipes de líderes eram instigadas a praticar tarefas para exercitar a comunicação e a escuta.

No papel de coach não tínhamos a intenção de dar resposta, nem de trazer melhores práticas de equipe de mercado, mas sim de ajudar o próprio grupo a encontrar o seu tom, a sua forma de se relacionar e de atingir os resultados desejados conforme a potência e o objetivo do grupo.

O sucesso da intersecção dos dois métodos, coaching e psicodrama, nesse processo de desenvolvimento de equipe e sociedade, está relacionado ao desenvolvimento de três eixos fundamentais: a ampliação de consciência da autorresponsabilização; a conexão com si mesmo e com o outro; e a vontade de promover a mudança.

O Psicodrama, com seu olhar para o resgate da espontaneidade e da capacidade criadora dos indivíduos e grupos, e por navegar na linguagem simbólica através de cenas e objetos intermediários, possibilita uma agilidade no processo de autorreflexão e na transformação da ação.

O campo lúdico, que é acessado rapidamente com o jogo, com a arte e com o brincar, trás outra ótica para olhar os conflitos e desafios existentes das equipes. O campo relaxado acessa outros recursos que não acessamos com facilidade quando estamos no campo tenso e racional. Um campo propício para o desenvolvimento do protagonismo das equipes.

Marcela Lempé
Psicóloga, Coach e Facilitadora de Processos de Desenvolvimento Humano Idealista, apaixonada por autoconhecimento e na capacidade de reinvenção
marcela@essenciadesenvolvimento.com.br

Sandra Tudisco
Coach, Psicodramatista Didata, consultora especialista em processos de mudança e gestão de conflitos organizacionais, apaixonada pela arte da liderança e da reconstrução de histórias de vida.
sandra@mnaroda.com.br